O ARTISTA BRASILEIRO SARRO E A COR AZUL.
Observando as obras do pintor brasileiro Sarro, surge o pensamento: “ele mesmo prepara as suas tintas“.
A nunca vista luminosidade das cores, o sedutor azul de van Eyck, é atingido por Sarro através do jogo da transparência, elevado para princípio básico; ele consegue através de sobreposições e da modelagem diferenciada crescente uma densidade e uma plasticidade da representação que eram obtidos outrora pelos antigos mestres. A luz penetra uma multiplicidade de “camadas geológicas” , até chegar ao fundo da tela de cor marfim, que reforça a luminosidade e o brilho das cores do fundo. A caligrafia é dificilmente reconhecida, o fundo transparente confere à textura um efeito muitas vezes obtuso, quase do tipo pastel, que dificulta sobremaneira as eventuais correções, pois as tonalidades mais fortes, sobretudo as mais escuras, deveriam ser sobrepostas apenas grosseiramente, o que a sua maneira não permite. Sarro não se facilita as coisas e freqüentemente parece criar os obstáculos para si próprio. Internacionalmente reconhecido, Adélio Sarro Sobrinho nasceu em 1950. Filho de um imigrante italiano e de uma mãe portuguesa, desde criança precisou ajudar seus pais na lavoura, numa fazenda em Andradina – São Paulo. Trabalhou como carpinteiro, pedreiro e operário numa oficina de mármore, e, em muitas outras profissões ; aproveitando cada minuto do seu escasso tempo livre para desenhar e rabiscar. Dando origem à sua sensibilidade para diversos materiais.
A arte de Sarro é severa e demonstrativamente objetiva. Ele não é um tradicionalista nem um destruidor de tradições.
Como Marc Chagall deixa sempre surgir as figuras de sua cidade, também Sarro encontrou o tema de seus quadros nas pessoas de sua vizinhança. Mas diferentemente de Chagall, Sarro ainda vive no meio da sua grande família no bairro de “gente pequena” em São Paulo.
Se trocou de lugar permaneceu sempre fiel ao seu meio.
Provavelmente por isso as suas figuras – mulheres indígenas, mulatas, agricultores, mães com seus filhos, diaristas e vagabundos – causam um efeito tão tocante. Mãos fortes e pés descalços, testemunhas da dura batalha da vida que precisam vencer diariamente.
Distanciadas, quase desconfiadas elas contemplam o espectador. Freqüentemente estes olhares parecem perguntar quem é o intruso que capta o acesso. A hora do dia e o fundo ficam propositadamente indefinidos por Sarro. No centro olham apenas as pessoas. Através dessa conseqüente redução, essa escassez calculada, os quadros ganham uma atmosfera simultaneamente irreal e levemente melancólica deixando transparecer o grande amor de Sarro pelos seus modelos. No seu caso reina, não uma oculta vaidade do grande artista, mas, antes, os gestos instigante e instigados dos anti-heróis que deixam compartilhar os seus sentimentos pelos sofrimentos e alegrias de seus amigos nesta difícil existência.
Sarro expressa sem dúvida, ao apresentar em suas obras plásticas, o desejo que elas nos agradem.
E elas o fazem!
Hans Richter